É Agosto. E chove. Depois de dias inteiros a banhos, hoje chove.
Um Agosto perfeito deveria ser de sol e calor, dizem.
Mas que é da perfeição?
Não vivemos todos na ânsia de melhorar dia após dia, em busca dessa caixa de pandora que seria uma "vida perfeita"?
Desde miúdos que nos ensinam sobre um sem numero de padrões que devemos cumprir: não temos de gostar da escola, temos é de ser os melhores alunos; não temos de nos divertir com um desporto, temos é de competitivos e idealmente tão bons que nos tornemos federados; não temos de seguir um curso porque é a nossa vocação, temos sim de nos formar numa profissão que nos garanta dinheiro e estatuto - para podermos ter aquilo que achamos que queremos e que nos daria a dita vida perfeita.
Trabalhar, mudar de emprego, ser promovido. Ter um carro, ter um melhor, e depois outro. Comprar casa, contrair uma dívida pro resto da vida, na ilusão criada nos anos 90 de que ser proprietários nos garante o futuro. Ter um filho e depois dois, colocá-los nos melhores colégios e actividades, fazer deles ainda mais perfeitos do que nós fomos enquanto que no caminho nos esquecemos de viver.
Incutem-nos hábitos de consumo que nos fazem mais perfeitos, roupas, sapatos, dentes ainda mais brancos, corpos ainda mais magros, óculos com design, relógios suíços que nos escravizam ainda mais. As redes sociais alimentaram exponencialmente esta utopia da perfeição, com as apps que corrigem os defeitos no corpo, na paisagem, fazendo-nos viver na aspiração de uma mentira.
Hoje é Agosto e chove.
É bom que de vez em quando o Verão seja imperfeito, é bom poder cortar o cabelo só porque sim e não porque é uma tendência, é bom ter uma casa onde as almofadas estão desalinhadas e onde há canela espalhada no balcão da cozinha e uma chávena suja na pia - sinais de uma casa com vida dentro.
Vi uma TedTalk no outro dia em que se falava de como fazemos da felicidade um meta, meta essa que estamos sempre a mudar, o que faz da felicidade algo inatingível.
Esquecemos de ser felizes no caminho. E vivemos pressionados pelos que nos rodeiam - perfeitos: profissionais bem sucedidos e perseguidos por headhunters, com famílias de capa de revista, casas de luxo, sempre bem arranjados, que fazem pão em casa, vão ao ginásio, lêem muitos livros, conhecem todos os melhores restaurantes e são convidados para todas as festas e inaugurações da moda.
Esquecemos-nos da simplicidade de um grande almoço de família em que a panela vem para cima da mesa e o pão-do-ló se corta à mão. Do conforto de uma t-shirt leve, do cabelo molhado, de uns jeans gastos que já se moldaram ao nosso corpo de tanto uso. De sair a rua para comprar pão quente a sair do forno e pelo caminho comer um (ou dois!). De juntar os amigos debaixo de uma árvore, abrir uma garrafa de vinho, falar de tudo e de nada. De uma casa que, embora sendo simples e pequena, tem o cheiro do nosso sabonete, da nossa cama onde dorme o aroma a lençóis acabados de lavar, onde podemos andar descalços ou com as meias por cima do fato de treino se for Inverno. De não ter de decidir todos os dias o que vestir num armário cheio de coisas que já nem nos lembramos porque compramos. E antes escolher só aquelas peças que nos dão conforto e que nos identificam. Mesmo que tenhamos de as remendar, ou substituir os botões.
Não nascemos para ser perfeitos. A vida é cheia de incertezas, nenhuma busca de perfeição irá mudar isso. Nunca devemos querer tanto que não saibamos dar valor ao que realmente precisamos. Não podemos idealizar um futuro que corresponde ao que achamos que os outros esperam de nós em vez do que nos faz sentir bem, calmos e em paz.
Aceitar as nossas falhas e as nossas fragilidades, saber que é isso que nos faz humanos, criativos, desenrascados, sensíveis mas corajosos: porque avançamos independentemente delas.
Os japoneses têm um conceito que não se pode traduzir: wabi sabi. Uma filosofia que ensina a ver a beleza mesmo nas coisas imperfeitas, impermanentes e incompletas. Fala-nos de uma beleza escondida, apesar de a termos mesmo à frente de nossos olhos e de lhe darmos pouco valor.Uma estética de simplicidade que se revela somente quando decidimos desapegar-nos do consumo induzido, das necessidades criadas pela chamada "modernidade" em que estamos envolvidos. Wabi sabi reside nos detalhes discretos e esquecidos e é preciso ter, sobretudo, muita humildade e sensibilidade para aprender a captá-lo.
É sermos autênticos, de defeitos e feitio, como já cantava o Caetano: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Bom resto de férias pessoas bonitas.
Saibam encontrar a felicidade no caminho (e não como ponto de chegada) e aprendam a viver com o erro e a imperfeição porque são, também, aquilo que mais nos define.
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